Bitcoin explicado – parte I

Antes de começarmos a falar sobre conceitos mais complexos, como Bitcoin e blockchain, vamos entender a importância das moedas como meio trocada, para que seja entendido o sentido da criação do Bitcoin e demais cryptomoedas.

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Uma história sobre moedas

Nos primórdios da humanidade, o sistema vigente era o de troca de mercadorias. Imagine a situação de um pescador, que pesca 20 peixes por semana. Pensando em produzir mais, o pescador pretende comprar um barco maior, para pescar de forma mais eficiente com sua família. Porém, um novo barco custa o equivalente a 100 peixes.

Problemas iniciais na transação por troca

Existem três problemas que o pescador pode enfrentar, ao tentar comprar o novo barco. O primeiro deles se refere ao problema da coincidência de desejos: o criador do produto que você deseja pode não desejar adquirir o que você produz ou tem para oferecer. No caso do nosso amigo pescador, dissemos que o barco equivale a 100 peixes, porém não necessariamente o construtor aceitaria tal pagamento. Nesse caso seria necessário o pescador realizar outras transações intermediárias, antes da principal, realizando mais transações do que gostaria.

O segundo, se refere ao problema da coincidências de escalas. O valor do barco poderia ser um número não inteiro de peixes, como por exemplo 100 filés de peixes (parte dos peixes). O problema é que isso poderia tornar impraticável a venda para o pescador, tendo que abrir mão de parte de seus bens devido à dificuldade em dividir peixes em unidades menores.

O terceiro e último se refere ao problema da coincidências de locais. O construtor de barcos pode morar em um local onde é impraticável para o pescador se deslocar com suas mercadorias, tornando impossível a transação.

O problema da transação do pescador

Voltando à transação original, vamos imaginar o “caminho feliz” para a transação. Precisando de 100 peixes, a alternativa para o pescador seria acumular 5 semanas de peixes, correto? Porém, os peixes são altamente perecíveis, fazendo com que o valor deles sejam perdidos ao longo do tempo, o que torna impossível acumulá-los. Logo, o pescador necessita de um meio de troca que sirva de reserva de valor, de forma a preservar o valor que ele produz através da pesca.

A necessidade do pescador é um indício que o homem evoluiu, pois há uma mudança na sua preferencial temporal. Agora ele pensa também em acumulação, mesmo que o sistema de troca ainda não permita. Logo, o homem deixou de pensar apenas no presente e começou a fazer planos para o futuro. Isto trouxe um impacto muito grande na forma como ocorria a troca de valores.

Quanto melhor a capacidade de reserva de valor de um bem, melhor será a capacidade para permitir ao homem planejar seu futuro.

A necessidade é gritante: o pescador (e o restante da população) necessita de um meio de troca, que apresente a possibilidade para reserva de valor. Assim, a criação do meio de troca permitiu a especialização e a criação de ferramentas mais poderosas para melhorar a produção. Com um meio de troca (moeda), o pescador pode pegar o valor de seus peixes, que agora puderam ser acumulados, e trocar por um barco e melhorar sua produção. A geração de riqueza e progresso aumentaram, impulsionados pela possibilidade de acumulo.

Criando um meio de troca

Para que o plano do nosso amigo pescador dê certo, precisamos de um meio de troca com algumas características importantes. Primeiro: esse meio de troca precisa ser amplamente aceito, para que o pescador consiga realizar trocas. Quanto maior a rede de uso desse meio, mais aceitação ele terá. A partir de uma ampla aceitação, será tido como o nova medida de valor. Os barcos não mais seriam vendidos em função da quantidade de peixes ou maçãs, mas sim medidos em razão desse novo meio de troca. Assim resolveríamos o problema da coincidência de desejos.

Além disso, o novo meio de troca deve ser altamente vendável (aqui também conhecido como salabilidade), ou seja, na facilidade do portador vender a mercado, quando assim desejar. A vendabilidade possui três grandes divisões: em escala, espaço e tempo.

Em primeiro lugar, a “vendabilidade” em escala, que se refere à divisibilidade, pois o meio de troca precisa ser divisível. De nada adianta esse meio de troca equivaler a 100 peixes, se em outros casos eu precisaria que valesse apenas 1 peixe. Então a divisibilidade desse meio deve ser relativamente alta. Assim resolveríamos o problema da coincidência de escala.

A segunda “vendabilidade” se refere ao espaço, pois o meio de troca deve permitir que o possuidor tenha uma alta capacidade de mover a moeda escolhida, ao longo de distâncias. Por último, e talvez um dos mais importantes, o meio de troca deve ter a capacidade de manter o valor ao longo do tempo, permitindo que o possuidor mantenha seu poder. Tomamos o exemplos do pescador, somos levados a entender que as principais características de um meio de troca são: reter poder de compra ao longo do tempo, de forma que possa ser recuperado e trocado em um momento posterior. Aqui sim, finalmente o pescador encontra a característica que não encontrava em seus peixe, a reserva de valor.

Para reter valor, um meio de troca deve ter – preferencialmente – uma baixa proporção de quantidade em circulação por quantidade produzida (também conhecida como stock-to-flow). Logo, o ouro é um dos commodities mais aceitos como reserva de valor pois justamente a quantidade de ouro produzida é baixa, em relação ao existente, ou seja, seu stock-to-flow é alto.

stock-to-flow: proporção entre a quantidade existente de dinheiro em circulação em relação à criação de mais dinheiro.

Sendo assim, para ter característica de reserva de valor, o “dinheiro” usado deve ter um número praticamente estável de unidades em circulação e uma produção controlada. Imagine a facilidade que seria ter novas “moedas” se usássemos, por exemplo, a areia como o meio de troca. Por incrível que parece, a humanidade já usou diversos meios de troca, como por exemplo pedras, sal, conchas e açúcar. Praticamente tudo foi usado como dinheiro – e muitas sociedades colapsaram junto com o uso.

A tendência sempre tem sido do “hard money”, aquele que tem um alto stock-to-flow, substituir o easy-money. Exemplos de “easy-money” foram o sal e pedras. Já exemplo de “hard-money”, no passado foram as conchas de animais específicos – hoje em dia temos o exemplo do cigarros em prisões.

O padrão ouro

Vamos pegar o Delorian e dar um grande salto na história. Como vimos a humanidade adotou os commodities como os meios de troca, porém surgiram novos meios quando apareceram os primeiros bancos e governos emissores. Estes começaram a emitir certificados de depósito, tendo como lastro os commodity. Mais do que isso, surgiu também a emissão de dívida com retorno – uma outra história.

Caso nosso amigo pescador estivesse nessa sociedade que descrevemos, poderia vender seus peixes por ouro, para então depositar em algum banco e receber um certificado de posse, pagando um montante pela operação. Com esse certificado em mãos, o pescador não mais precisaria fazer uso do ouro em espécie, pois poderia passar a diante o certificado que garantiria a posse do ouro. Isso se tornou o conhecido “Padrão Ouro”, quando todo certificado / moeda tinha lastro no ouro – nosso melhor commodity até então para essa função.

Padrão Ouro

O Padrão Ouro durou bastante tempo, mas teve seu fim a partir da Primeira Guerra Mundial. Para entender isso vamos dar mais um pulo na história.

O fim o padrão ouro e a ascensão do dinheiro

O Padrão Ouro começou a ruir durante a Grande Depressão. Nessa época, os títulos e moedas eram conversíveis, ou seja, você poderia trocar por ouro, na proporção correta. Porém, muitos bancos começaram a falir durante a crise. No desespero, muitos clientes começaram a tentar converter dólares em ouro, fazendo a conversão de títulos disparar. Em 1933, isso culminou com o Congresso determinando a limitação da conversão por parte dos cidadãos, anulando o direito dos credores de exigir o pagamento em ouro, iniciando o fim do ciclo do “Padrão Ouro”.

Alguns anos depois, após a Segunda Guerra Mundial – e com Estados Unidos saindo como grande vitorioso – ocorreu um grande acordo mundial, chamado “Bretton Woods Agreement and System“. Esse acordo, além de ter criado o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial, definiu o Dólar Americano como a moeda a servir de lastro para todas as outras. Assim, os EUA seriam o grande responsáveis por manter o ouro por trás do dólar, enquanto todos os 44 países envolvidos dariam suas reservas em ouro para os EUA, para que fosse servisse como lastro.

Aqui, surge a hegemonia dos Estados Unidos, com grande poder concentrado.

O problema que o Padrão Ouro acabou definitivamente em agosto de 1971, quando o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, retirou formalmente o lastro do dólar, ao remover completamente a possibilidade de converter dólar em ouro. A partir daí, a impressão de dólar não mais era limitada a quantidade de ouro como garantia, permitindo ao Governo emitir mais moeda do que o lastro permitiria. Foi a gota d’água, que fez o padrão Ouro Colapsar pelo mundo.

A partir do colapso os países poderiam optar por vincular seu valor à moeda de outro país – ou um conjunto de moedas- ou simplesmente deixá-la flutuar livremente e permitir que o mercado determinasse o valor em relação às moedas de outros países.

Em resumo, mais do que nunca ficou claro que o dinheiro é uma construção psicológica, um sistema de confiança mútua.

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